Trinta-por-uma-linha


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A palavra lida, escrita e falada!

Comigo, a escrita, de uma forma ou de outra, acaba por vir à baila. É um círculo vicioso de que não me sei afastar, nem quero. É um terreno conhecido, amigo, onde me sinto acolhida com toda a deferência e com grande à-vontade.


Considero-me uma boa conhecedora da minha língua materna, que adoro, talvez porque educada num tempo em que esta era um dos símbolos da pátria, de que hoje ninguém fala. Voltar-se-á alguma vez a falar neste conceito com esta era da globalização, em que o mundo nos engole e nos comanda? Acho que não e, como é impossível andar para trás, então olhemos para a frente e ala.


Contudo, adorando a minha língua, não me acanho de recorrer ao «pai dos burros» sempre que necessário (entenda-se dicionário), uma vez que, face a tanta asneira que por aí abunda, as dúvidas assaltam qualquer um e quantas vezes, sem querer, somos levados a embarcar no mesmo erro… E agora com a Acordo Ortográfico que só nós, a língua vernácula, fomos obrigados a adotar e quantos não adotaram na imprensa e mesmo em universidades, o que transformou a nossa língua num verdadeiro caos, em que cada um escreve como lhe apetece e em que quem utiliza o acordo não o estudou e começou a cortar os c e os p em tudo quanto era palavra e bem… já não digo mais nada. E com ou sem acordo os nossos órgãos de comunicação social (rádios, televisões, jornais), onde os dicionários não existem, nem mesmo no processador de texto que tanto usam, por isso não podendo ser consultados, a falta de conhecimento da língua escrita é constrangedora. As legendas dos programas televisivos arrepiam-me pelos erros ortográficos que apresentam e os dos jornais são escandalosos. Há quem lhes chame gralhas, mas desde quando separar a desinência «-mos» ou «-te» das formas verbais (fazer-mos, fize-mos, soubes-te, calas-te) ou não saber conjugar pronominalmente o condicional e o futuro (farei-os, respeitarei-os) podem ser considerados gralhas? É pura ignorância! E há muitas outras falhas que não vou perder tempo a enumerar, mas não comungo da ideia geral de que os erros ortográficos atuais têm origem na linguagem truncada e «idiota» que os jovens usam para mandar emails ou SMS.


Todos sabemos que a aquisição da leitura e da escrita têm graus de diferente dificuldade para as crianças. Para algumas, esta aquisição é um ato absolutamente normal, natural, o qual adquirem quando entram para a escola e que as vai levar a caminhos inexplorados e desconhecidos. Estas crianças, atraídas pela curiosidade e extremamente motivadas, querem embarcar nessa aventura. Porém, para outras, a aprendizagem da leitura e da escrita é um acto intimidante, que as faz sentir desconfortáveis e inseguras. Talvez estas sejam as tímidas que não gostam de navegar por águas mais revoltas que as levam por terrenos desconhecidos e, por isso mesmo, aterrorizadores.


Mas, falava de erros e vou deixar aqui um conselho de quem já tem uns aninhos e, claro, foi e é professora! Já alguma vez pegaram num dicionário e o folhearam por puro prazer? Hum! Que cara feia! Chamem-me doida (já me terão chamado coisa bem pior! Professora durante 44 anos, que esperavam?), mas, quando era criança, teria os meus nove/ dez anos, adorava divertir-me com um passatempo a que agora chamo «o comboio das palavras». Começava com uma e ia encadeando um sinónimo atrás do outro e ficava assim horas…Como veem, já nessa altura não era «bem apanhada dos carretos». Quem pode tirar prazer de uma atividade destas? E se vos dissesse que, nessa altura, só havia rádio, a televisão só funcionava à noite (tinha uns sete / oito anos quando ela apareceu lá em casa!) e não havia computadores nem consolas nem telemóveis? Pois, já sei que pertenço à era dos dinossauros, mas a vida podia ser bem divertida. Contudo, dessa atividade «diferente» não tirava apenas o deleite da descoberta do significado da palavra, era muito importante a aquisição de novas palavras. E eu queria aprender novas palavras e, quanto mais complicadas fossem, melhor.


A propósito, não resisto a contar-vos uma história dos meus anos de faculdade. Um dos meus colegas (já entradote, pois eu pertencia à turma dos voluntários por me chamar Teresa) aguardava a chegada do professor de Alemão, no corredor, encostado à parede, a estudar o dicionário de Alemão. O homem era um «dicionário ambulante». Tinha um vocabulário riquíssimo (o que não era de admirar!) e o próprio professor recorria à sua ajuda quando lhe faltava algum termo. E assim conseguiu fazer o Alemão, apesar das grandes falhas que tinha na construção frásica e na gramática. Como veem, quem me considerou completamente descarrilada, ficou a saber que não estou nem estava sozinha.


E se vos disser que ainda hoje, de vez em quando, repito esta atividade? Já não utilizo tanto a palavra isolada; gosto mais de estudar as expressões idiomáticas. Até já me acusaram de ter um estilo redondo, quiçá de difícil compreensão, por usar e abusar de tais recursos…Bem, a cada cabeça sua sentença e a cada maluco a sua maluqueira. E até o «calão» estudei e estudo diariamente, já que vivo nesta terra à beira do Ave fez quarenta e um anos. A quem me conhece, posso, finalmente, atrever-me a dizer que «sou Taipense», ou seja, já me «saem» algumas dessas expressões, muito em segredo e entre amigos, que nunca sonharia sequer verbalizar quando para cá vim. Pelo contrário, casadinha de fresco, passava horas à porta do então Piteco (quem não se recorda do café-restaurante?) a assinalar as «…utas que…iu» e o «… da-se» e outras quejandas no tal bloquinho de notas que sempre me acompanha. Um passatempo idiota? Não façam essa cara de falsa modéstia, que não estou a mentir. Em quarenta anos, muita coisa mudou… e vai continuar a mudar. É a vida!


Vejam onde me levou a palavra lida, escrita e falada!


Umas Boas Férias e leiam muito. Deem um bom exemplo aos vossos filhos e ofereçam-lhes livros, muitos livros. E, já agora, não querem levar um dicionário e fazer o tal jogo em família?


Pronto, já cá não está quem falou.


Maria Teresa Portal

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