A poesia, o indispensável supérfluo

Se o poema não serve para dar o nome às coisas outro nome e ao silêncio outro silêncio, se não serve para abrir o dia em duas metades como dois dias resplandecentes e para dizer o que cada um quer e precisa ou o que a si mesmo nunca disse. Se o poema não serve para que o amigo ou a amiga entrem nele como numa ampla esplanada e se sentem a conversar longamente com um copo de vinho na mão sobre as raízes do tempo ou o sabor da coragem ou como tarda a chegar o tempo frio. Se o poema não serve para tirar o sono a um canalha ou ajudar a dormir o inocente se é inútil para o desejo e o assombro, para a memória e para o esquecimento. Se o poema não serve para tornar quem o lê num fanático que o poeta então se cale.

António Ramos Rosa

A poesia é o indispensável supérfluo. Não serve para nada, mas faz-nos falta como o pão para a boca.

A poesia desencadeia a leitura a dois (ou mais) níveis e velocidades, o que constitui uma poderosa provocação para a imaginação, estabelecendo-se uma (cor)relação entre poesia e conhecimento, entre poesia e compreensão e criatividade.

A poesia remete para um tipo de conhecimento que, situando-se para além da simples comunicação, mas sem a excluir, apela para o plano da memória (que sobrevive ao presente), das metáforas (que são uma forma especial de capturar a realidade) e do indizível (que é um registo diverso, mas legítimo da realidade).

A poesia permite pensar e imaginar realidades diferentes daquelas a que estamos habituados, empurrando a imaginação e o pensamento para o universo do símbolo, podendo entender-se como um contra-ataque à banalidade quotidiana da linguagem, destruindo as suas significações e associações gastas, contra a trivialidade, os clichés, os estereótipos, os automatismos, os modos habituais de dizer (que se tornam depressa formas de pensar) e constituindo uma fonte inesgotável para tipos de comunicação diversa, ao nível linguístico e ao nível simbólico.

A imaginação e a criatividade são convocadas pela poesia por razões de ordem vária: primeiro, por causa da «estranheza» da própria linguagem poética que manifesta e provoca os sentidos e desencadeia uma alteração dos conceitos e sentimentos; segundo, por levar a pensar a realidade sob uma outra forma, recriando-a, tornando-a nova e distinta; terceiro, por ser, em si mesma, criação da linguagem, do pensamento e da realidade; quarto, por possibilitar e dar voz a um excesso de sentido.

Assim, ler um poema todos os dias permite implementar a descoberta da poesia de forma progressiva, ajudando as crianças a desenvolver a sua capacidade de escutar e de prestar atenção a uma linguagem distinta, disparada ao coração e à inteligência.

João Manuel Ribeiro

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