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Elmore John Leonard, Jr. e a importância do "hooptedoodle"

Elmore John Leonard, Jr. (Nova Orleans, 11 de outubro de 1925 - Detroit, 20 de agosto de 2013) foi um escritor e roteirista americano. Os primeiros romances, publicados na década de 1950, eram weterns, mas depois especializou-se em romances policiais. Escreveu vários livros, muitos dos quais foram adaptados para o cinema, tornando-se filmes de sucesso de cineastas tão diversos como John Sturges, Tarantino ou Steven Soderbergh ...


1. Nunca comeces um livro falando sobre o tempo. O tempo serve apenas para criar atmosfera e se não é uma reação do personagem ao clima, não deves usá-lo. O leitor procurará as reações da personagem. Existem algumas exceções, claro. Se conheces mais maneiras de descrever o gelo e a neve do que um esquimó, podes falar sobre o tempo quanto quiseres.


2. Evita prólogos. Estes podem ser irritantes, especialmente após uma introdução anterior à dedicatória. Mas na «não-ficção» são muito comuns. Num romance, o prólogo conta o pano de fundo da história, mas não precisas de contá-lo no início, podes colocá-lo onde quiseres. Há exceções, claro. "Sweet Thursday", de John Steinbeck, tem um prólogo, que é bom, porque nele é uma personagem do livro que deixa as regras claras, que explica como gosta que lhe falem sobre as coisas. O que Steinbeck fez em "Sweet Thursday" foi intitular os capítulos como uma indicação, embora um tanto obscura, do que tratam. São dois capítulos que ele mesmo intitulou "hooptedoodle" (palavreado) em que adverte o leitor: "Aqui farei voos espetaculares com minha escrita, e não se confundirá com a história. Ignore-os se quiser”. "Sweet Thursday" foi publicado em 1954, quando eu começava a publicar, e jamais esquecerei o prólogo. Eu li os capítulos "hooptedoodle"? Cada palavra


3. Não uses mais do que o "dito" no diálogo. A frase, no diálogo, pertence à personagem. O verbo põe o escritor a farejar onde não devia. O verbo "dizer" é muito menos intrusivo do que "grunhir", "exclamar", "perguntar", "interrogar"... Certa vez, li "ela afirmou" no final de uma frase de uma personagem de Mary McCarthy e tive de parar de ler para consultar o dicionário.


4. Nunca uses um advérbio para modificar o verbo "dizer"... advertiu severamente. Usar um advérbio desta forma (ou quase de qualquer forma) é um pecado mortal. O escritor está exposto a interromper o ritmo da troca ao usar este tipo de palavra. Uma personagem conta, num de meus livros, como costumava escrever seus romances históricos “cheios de estupros e advérbios”.


5. Controla os pontos de exclamação. Duas ou três exclamações são permitidas para cada 100.000 palavras em prosa.


6. Nunca uses palavras como "de repente" ou "de imediato". Esta regra não requer nenhuma explicação. Descobri que escritores que usam exclamações como "de repente" tendem a ter menos controlo sobre seus pontos de exclamação.


7. Usa termos de dialeto muito ocasionalmente. Se começares a preencher a página com diálogos ininteligíveis, não serás capaz de parar. Um bom exemplo seria Annie Proulx, que é capaz de captar o sabor da fala do Wyoming muito bem.


8. Evita descrições excessivamente detalhadas de personagens. Steinbeck, sim. Mas em "Montes como elefantes brancos", Hemingway, por exemplo, usa uma única descrição para o caráter da mulher que acompanha o americano: "Ela tirou o chapéu e deixou-o sobre a mesa". É a única referência física da história, mas mesmo assim vemos o casal e conhecemo-los pelo tom de voz... sem advérbios que os acompanhem.


9. Não entres em muitos detalhes ao descrever lugares e coisas. Se não és a Margaret Atwood, que pinta cenas com linguagem ou não consegue descrever a paisagem da maneira que Jim Harrison faz, então não o faças. Mesmo se tiveres o dom das descrições, lembra-te de que o cerne da história deve ser a ação, não a descrição.


10. Tenta eliminar tudo o que o leitor tende a ignorar. Esta regra ocorreu-me em 1983. Pensa no que perdes quando lês um romance: longos parágrafos de prosa com muitas palavras. O que o escritor está a fazer? Falar sobre o tempo, ou se entrou na mente da personagem e do leitor ou sabe o que o personagem pensa, ou não se importa. Aposto que não saltas diálogo. A minha regra mais importante é aquela que engloba todas as outras: "Se parece linguagem escrita, eu reescrevo-a."


Nota final: se a gramática interferir na história, eu deixo-a de lado. Não posso permitir que o que aprendi nas aulas de redação altere o som e o ritmo da narração. É a minha tentativa de permanecer invisível, não distrair o leitor do que é uma escrita óbvia (Joseph Conrad certa vez falou de palavras que atrapalham o que queres contar). Se eu escrevo uma cena, sempre do ponto de vista duma personagem (aquela que me dá a melhor visão da vida naquela cena em particular), posso concentrar-me nas vozes dos personagens, dizendo quem são e como se sentem, o que veem e o que está a acontecer. É assim que eu desapareço de cena.

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