
Vetor por FreePick
Olho à minha volta, para as ruas de dezembro, e vejo-as iluminadas. As montras das lojas brilham com promessas de felicidade embalada, e há uma música de fundo que parece repetir-se em loop em todas as lojas onde entro. O espírito natalício moderno é uma mistura curiosa de frenesim comercial, reuniões familiares e uma nostalgia difusa.
Mas, se descascarmos as camadas de papel de embrulho e desligarmos as luzes LED, o que resta?
A história do Natal não é uma linha reta. É um mosaico complexo, construído ao longo de milénios. O que celebramos hoje é o resultado de uma fusão fascinante entre rituais pagãos de inverno, teologia cristã, tradições vitorianas e, o que pode surpreender muitos, estratégias de marketing do século XX.
Para entender o Natal no mundo moderno, precisamos de voltar atrás. Muito atrás.
Muito antes do nascimento de Jesus, o final de dezembro já era a época mais importante do calendário para diversos povos do hemisfério norte.
Porquê? Por causa do Solstício de Inverno (por volta de 21 de dezembro), claro!
Este era o dia mais curto e a noite mais longa do ano. Para as sociedades agrícolas antigas, o inverno era sinónimo de morte, fome e escuridão. O solstício era o ponto de viragem: o momento em que o Sol "vencia" a escuridão e os dias começavam, lentamente, a crescer.
A influência mais direta no nosso Natal vem da Roma Antiga, onde era celebrado o Dies Natalis Solis Invicti (o "Nascimento do Sol Invencível") e a Saturnália, em homenagem ao deus da agricultura. A escolha desta data não foi, portanto, coincidência.
Já mais a norte, na Escandinávia, celebrava-se o Yule. Os povos germânicos acendiam grandes fogueiras e queimavam o "cepo de Yule" para celebrar o regresso do sol. As festas duravam até o tronco terminar de arder, o que podia levar 12 dias.
É aqui que surge a tradição de trazer uma árvore para dentro de casa e, inclusive, a origem da nossa sobremesa: o Tronco de Natal!

Festival Saturnália, Roma 535 D.C.

Ilustração de pessoas recolhendo o Yule Log, retirada do Livro dos Dias de Chambers. 1832. Wikimedia Commons
Como podemos ver, muito antes da religião cristã, esta época do ano já era amplamente celebrada e acarinhada. De uma forma geral, diversas culturas viam o solstício de inverno como o momento que trazia o sol de volta e, consequentemente, garantia o alimento e o sustento das populações.
Nos primeiros séculos do Cristianismo, o nascimento de Jesus não era sequer celebrado. A festa principal era a Páscoa. A Bíblia, aliás, não menciona a data de nascimento de Cristo. Muitos historiadores sugerem que, se os pastores estavam nos campos com as ovelhas, como é descrito na Bíblia, seria provavelmente primavera e não inverno.
Então, porquê 25 de Dezembro?
No século IV, a Igreja Católica, em expansão, deparou-se com um problema de "marketing": as pessoas adoravam as festas pagãs de inverno (como a Saturnália e o Yule). Eram demasiado populares para serem proibidas.
Assim sendo, o Papa Júlio I tomou uma decisão estratégica brilhante: adotou a data de 25 de dezembro.
Ao sobrepor o nascimento de Cristo ao nascimento do "Sol Invencível" romano (Sol Invictus), a Igreja facilitou a transição. Manteve-se a data, manteve-se a festa, manteve-se a troca de presentes e a decoração com vegetação, mas mudou-se o objeto da adoração.
O Natal cristão nasceu, assim, como um "rebranding" espiritual das festas do solstício.
Pode parecer que o Natal, tal como o conhecemos, existe há séculos da mesma forma. Mas a verdade é que a "estética" do nosso Natal é surpreendentemente recente, fruto do século XIX.
A tradição de decorar árvores dentro de casa era comum na Alemanha do século XVI. Mas o mundo anglófono — e, por arrasto, o resto do Ocidente — ignorava o costume.
Tudo mudou em 1846. A Rainha Vitória de Inglaterra foi ilustrada no Illustrated London News, de pé, ao redor de uma árvore de Natal com os filhos.
Como podemos observar, a Rainha Vitória era a "influencer" suprema da época. De repente, ter uma árvore de Natal tornou-se moda em todo o mundo.

Por outro lado, a tradição da figura do Pai Natal é o exemplo perfeito da evolução cultural.
Teve origem em São Nicolau, um bispo cristão do século IV na atual Turquia, famoso pela sua generosidade. Mais tarde, esta figura deu origem à lenda de Sinterklaas, na Holanda.
Quando os imigrantes holandeses levaram a história para Nova Iorque, o Sinterklaas transformou-se no Santa Claus.
Mais tarde, foram as ilustrações de Haddon Sundblom para a Coca-Cola, nos anos trinta, que cimentaram a imagem atual: um avô rechonchudo, de bochechas rosadas e fato vermelho.
Tudo isto aconteceu porque a Coca-Cola era vendida como uma bebida de verão, mas ambicionava conquistar as mesas das nossas casas também nos meses mais frios.

Há um outro "inventor" do Natal que raramente recebe o crédito devido, na minha opinião: Charles Dickens.
No início do século XIX, com a Revolução Industrial, o Natal estava a morrer. As pessoas trabalhavam horas infindáveis, a pobreza urbana era galopante e as velhas tradições rurais estavam a desaparecer. O Natal era apenas mais um dia de trabalho.
Em 1843, Dickens escreveu Um Conto de Natal (A Christmas Carol).
O livro foi um fenómeno instantâneo e já teve uma grande variedade de adaptações. Mas fez mais do que vender cópias: redefiniu o "espírito" do Natal. Dickens associou o Natal não apenas à religião, mas à caridade, à família e à generosidade. É daqui que surge o "espírito natalício".
Ele criou a ideia do "Natal em Família". Antes, o Natal era uma festa comunitária, de rua e de álcool. Dickens transformou-o numa festa doméstica, centrada nas crianças, na lareira e no jantar.
É graças a esta visão romântica vitoriana que hoje sentimos que o Natal "tem de ser" passado em família e que devemos ser mais bondosos nesta época.
Chegamos então ao século XXI. O Natal moderno é uma besta de duas cabeças.
Por um lado, é o motor económico do ano. A "Black Friday" (que agora não é um único dia ou fim de semana, mas quase começa em outubro) marca o início de uma maratona de consumo que, para muitos, gera mais ansiedade e dívidas do que alegria. A pressão para ter o "Natal Perfeito" — a comida perfeita, os presentes certos, a decoração "instagramável" — é uma fonte real de stress.
Por outro lado, a necessidade humana que criou o Natal há milhares de anos continua intacta.
Vivemos numa era digital, rápida e muitas vezes fria. A necessidade de parar, de acender luzes na escuridão do inverno, de nos reunirmos com quem amamos e de acreditar na generosidade continua a ser vital para a nossa saúde mental e bem-estar como sociedade.
Assim, eu acredito que estamos a assistir a uma nova transformação. Muitas famílias estão a tentar "resgatar" o Natal do consumismo, criando tradições:
Oferecer experiências em vez de objetos.
Focar a celebração na comida e no convívio, e menos nos pacotes.
Recuperar o sentido de solidariedade de Dickens, com doações a causas sociais.
Quer o teu Natal seja celebrado na Missa do Galo, à volta de uma árvore cheia de presentes, ou simplesmente num jantar tranquilo com amigos, a essência permanece a mesma desde a antiga Babilónia ou Roma.
No fundo, continuamos a ser aqueles humanos antigos, reunidos à volta de uma fogueira (ou de uma lareira), a tentar afastar o frio e a escuridão, celebrando o facto de estarmos juntos e vivos.
O Natal mudou de nome, de data e de mascote ao longo dos séculos. Mas enquanto houver invernos, sejam eles literais ou metafóricos, haverá sempre a necessidade de celebrar o regresso da luz.
E talvez essa capacidade de adaptação seja o verdadeiro milagre do Natal.
Gostaste de conhecer a história por trás da magia natalícia? As tradições são a cola que une as gerações, mas saber porque fazemos o que fazemos torna tudo mais especial.
Se procuras reacender a magia do Natal em casa — seja através de histórias para ler com os filhos ou criando novas tradições familiares — temos sugestões que atravessam gerações!
Descobre as nossas boxes de Natal!
Cristiana Nunes


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