
Vetor por FreePick
O mundo de uma criança começa pequeno, tecido com os fios do familiar. Primeiro, é o abraço seguro dos pais, um universo construído a partir do carinho e do garantido. Depois, expande-se para o tapete do quarto delimitado por paredes que são as fronteiras do seu pequeno grande reino. A vista da janela é a sua primeira paisagem. Este mundo é um cosmos seguro, mas inevitavelmente limitado. E é especialmente nesta altura do ano, quando o Natal se aproxima e tudo parece abrandar, que estas pequenas descobertas ganham um brilho ainda mais especial.
E é precisamente de dentro deste pequeno domínio que brotam as maiores e mais importantes perguntas. Elas surgem sem filtro, com uma pureza genuína tanto quanto desarmante. O “Porquê” constitui o início de uma fase crucial que todas as crianças acabam por atravessar. Faz parte do nosso aprendizado enquanto humanos e membros da sociedade. E talvez seja também no Natal — uma época que convida naturalmente à reflexão — que estas perguntas ecoam com mais força.
Como pais e educadores, a nossa primeira tentação é dar respostas lógicas, mas frases factuais não mitigam a dúvida que existe nos seus corações. As respostas que realmente moldam um ser humano não são as que se dão, são as que se descobrem vivendo. E a ferramenta mais mágica e segura para essa descoberta sempre foi e sempre será o livro.
Um livro não é apenas um objeto — é um portal. É um passaporte, com páginas em branco prontas a serem carimbadas com as experiências de mil vidas. E se há presente verdadeiramente intemporal nesta quadra, é precisamente este: um livro que abre mundos.
A base de toda a civilidade é a empatia. Contudo, a empatia não é um conceito abstrato que se ensina numa aula, é uma experiência que se vibra na pele.
É precisamente aqui que a literatura infantil revela o seu superpoder mais subtil: quando uma criança abre um livro e mergulha na jornada de uma personagem, ela está a fazer muito mais do que descodificar palavras. Através dos olhos de uma personagem, a criança vive a personagem. A neurociência explica-nos que as nossas mentes estão programadas para simular as emoções que lemos, quase como se as estivéssemos a viver. Um bom livro é um simulador de emoções, um ginásio para o coração e alma.
Ao viver estas emoções na segurança no conforto da sua cama, a criança está a treinar o seu "músculo" da empatia. Está a aprender, de uma forma inesquecível, que por detrás de um rosto diferente, de um sotaque estranho ou de um costume desconhecido, existe um coração que pulsa com os mesmos medos, alegrias, tristezas. Nesta época festiva, em que se fala tanto de bondade, partilha e solidariedade, esta aprendizagem torna-se ainda mais valiosa.

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O nosso ambiente imediato, por mais rico que seja, é sempre uma amostra limitada da vastidão da experiência humana. Frequentamos sempre as mesmas ruas e vemos as mesmas caras, é o que é natural para nós. É aqui que os livros desempenham o seu papel de embaixadores. Eles têm o poder de estilhaçar a nossa bolha de normalidade, mostrando-nos que o "normal" é um conceito elástico, que varia de pessoa, espaço e tempo.
Um livro pode apresentar a uma criança uma família com duas mães ou dois pais, mostrando que o amor é o alicerce, independentemente da sua faceta. Uma outra história pode ter como protagonista uma criança em cadeira de rodas ou autista, ensinando que as limitações físicas e psicológicas não definem os limites da imaginação.
Estas representações são duplamente poderosas:
Por um lado, oferecem um espelho essencial para crianças que têm realidades menos representadas. Ver-se a si próprio numa história é um ato de validação sem igual. É o mundo a dizer-lhes: "Tu existes. A tua história importa".
Por outro lado, para a maioria das crianças, estes livros são portais onde aprendem que as famílias podem ter mil formas, que as casas podem ser de tijolo ou de gelo, e que há inúmeras maneiras de se ser.
Assim, com a ajuda de um livro, a diversidade deixa de ser uma anomalia para se tornar a norma. O mundo deixa de ser um padrão único para se revelar como aquilo que realmente é: um belo, caótico e vibrante mosaico, com tantas formas e texturas. E talvez seja no Natal, quando tantas tradições diferentes florescem lado a lado, que esta riqueza se torna mais visível e mais fácil de celebrar.

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A época natalícia convida-nos a sermos amigos e solidários: Esta reflexão ganha uma pertinência renovada e abre-nos portas para refletir sobre a importância do respeito, da aceitação e do apreço pela diversidade das culturas e das formas de expressão. E não há ferramenta mais eficaz para cultivar estas sementes desde a mais tenra idade do que a leitura — é a mais rica forma de demonstrar a diversidade quando não temos contacto direto com ela.
A tolerância que nasce dos livros não é uma atividade passiva. Uma criança cujos melhores amigos imaginários incluem uma rapariga de uma metrópole chinesa e um urso que vive nos Andes, não encara o desconhecido com medo; encara-o com entusiasmo. Ela não rejeita o colega que chegou de outro país e que traz um lanche com um cheiro diferente; ela pergunta-lhe o que é e se pode provar.
Os livros são o antídoto mais eficaz contra o vírus do preconceito, porque este alimenta-se de duas coisas: medo e ignorância. E cada história lida, cada página virada, é uma dose de conhecimento que ilumina os cantos escuros da ignorância e uma janela aberta que deixa entrar a luz. Luz essa que combina tão bem com a que acendemos, simbolicamente, nas janelas e ruas durante esta altura.
A teoria é bela, mas a magia acontece na prática. Transformar a nossa biblioteca caseira num centro de diplomacia e empatia é uma missão ao alcance de todos.
Vamos diversificar a Estante neste Natal? Começa por fazer uma auditoria à tua coleção. Quantas histórias se passam fora da Europa ou da América do Norte? Quantos protagonistas são de etnias diferentes da tua? Quantos livros foram escritos ou ilustrados por pessoas dessas culturas? Faz um esforço consciente para procurar e adquirir livros que mostrem diferentes culturas, estruturas familiares e realidades.
Perguntas que Abram o Coração — especialmente nesta época de ternura: A leitura partilhada é um diálogo. Durante a leitura, que tal fazer uma pausa recheada de perguntas abertas que incentivem a reflexão emocional? "Como achas que a personagem se está a sentir agora?", "O que farias tu no lugar dela?", "Já alguma vez te sentiste assim, mesmo que a situação fosse diferente?". Isto transforma a leitura numa conversa sobre perspectivas e emoções.
Não Fujas do Desconforto: Alguns livros tocarão em temas difíceis como a injustiça, a pobreza ou o preconceito. Não evites essas conversas, elas são importantes! Um livro oferece um espaço seguro para abordar tópicos complexos. Pergunta-lhe o que ela achou da situação, se a achou justa e o que poderia ser feito para ajudar. Estarás assim a formar um cidadão consciente e crítico. E o Natal, com o seu apelo à solidariedade, é também uma oportunidade para reforçar estas conversas.

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Cada livro que escolhemos e partilhamos com uma criança é muito mais do que um presente ou um passatempo. É uma declaração de intenções. É uma afirmação de que acreditamos na sua capacidade de compreender e amar o mundo em toda a sua gloriosa e confusa complexidade.
E, se há um gesto natalício verdadeiramente transformador, é este: oferecer tempo, atenção e histórias.
Neste Natal, talvez o gesto mais revolucionário que possamos fazer não seja discursar preces de um mundo melhor ou partilhar os nossos atos de solidariedade nas redes sociais, mas algo muito mais simples e silencioso. É sentarmo-nos com uma criança, seja ela nossa filha, neta, aluna ou sobrinha. É abrir um livro sobre um mundo que não é o nosso. É emprestar a nossa voz às personagens, rir com as suas alegrias e sentir um aperto no coração com os seus desafios.
Porque ao ensinar uma criança a ler histórias, estamos a ensiná-la a ler o mundo. E ao ensiná-la a ler o mundo, estamos a dar-lhe as ferramentas não só para o compreender, mas também para o sonhar e construir como um lugar mais justo, mais empático e, acima de tudo, mais profundamente humano. E que época melhor do que o Natal para reacender esta esperança?
Cristiana Nunes


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